terça-feira, 25 de novembro de 2008

Criatividade

CRIATIVIDADE
Para saber mais
Gente é pra brilhar, Picasso é pra brilhar, Caetano Veloso é pra brilhar, você é pra brilhar. Manja: não o brilhareco muitas vezes oco de uma suposta celebridade televisiva, nem os 15 minutos aqueles profetizados por Andy Warhol. O certo é que todo mundo foi feito para alguma coisa. Não uma missão, como alguns acreditam, carregando no vocabulário que tanto pode servir à religião quanto aos filmes de Tom Cruise. Trata-se ­ digamos assim, colocando logo os pingos nos is ­ de um talento especial, de uma forma diferente de encarar a vida, de umas ênfases colocadas nas coisas que lhe parecem as mais corretas.
Sim, cada um de nós vem ao mundo com um potencial. Uns com mais talento que os outros, são verdade ­ assim mesmo é a vida, fazer o quê. Mas isso não quer dizer que, se você não foi batizado na Áustria com o nome de Wolfgang Amadeus Mozart, você deva se resignar a uma existência opaca, a uma vidinha besta. Muito antes pelo contrário. É essencial para sua felicidade auscultar o próprio coração e descobrir por que, afinal de contas, você está aqui. E o que você pode fazer para ­ em seu trabalho, em seus momentos de lazer, em suas relações pessoais, em sua forma de enxergar o mundo ­ identificar esse seu lado que é só seu e usá-lo para ter uma vida muito mais completa, em todos os sentidos.
A chave disso tudo se chama criatividade. Ser criativo não é apenas pintar Guernica, escrever o roteiro de um filme ou compor um samba. "O vício de considerar que a criatividade só existe nas artes deforma toda a realidade humana", tascou Fayga Ostrower, pintora brasileira nascida na Polônia e autora de livros sobre criação artística. Na mosca. Porque é mesmo muito conveniente admirar passivamente as grandes obras da imaginação humana e depois voltar para um cotidiano sem tempero (e ainda por cima reclamando de que se veio ao mundo para ser figurante, não estrela), sem nada no coração e nenhuma idéia na cabeça. Conveniente é lógico ­, mas triste. Porque todo mundo pode mais.
Descobrir o que há dentro de nós não é mel na sopa. A começar pela conceituação da coisa: criatividade. O termo criatividade embananou tanto Sigmund Freud que ele chegou a dizer: "Diante da criatividade, o psicanalista deve depor as armas". Não é para tanto, doutor Freud. Um pouquinho mais otimista que o pai da psicanálise foi o psicólogo suíço Jean Piaget, que considerava a criatividade "um presente magnífico à espera de ser pesquisado".
Essa busca pelo "presente magnífico" rendeu pelo menos um livro altamente inspirador nos últimos tempos, The Tree House ("A casa da árvore”, sem edição brasileira), da socióloga americana Naomi Wolf. Bastante conhecida desde os anos 1990 por seu livro feminista O Mito da Beleza, Naomi é filha de um poeta e professor de Literatura, Leonard Wolf, amigo de toda a patota beatnik de São Francisco nos anos 1950 e uma figuraça ainda hoje, com mais de 80 anos nas costas. Original, deliciosamente excêntrico (não tem celular nem agenda de telefones, entre outras idiossincrasias), Mr.Wolf passou a vida identificando os desejos do coração e acreditando que todos têm uma espécie de DNA criativo dentro de nós. Há poucos anos, Naomi o convocou para ajudá-la na construção de uma casinha na árvore para suas filhas. A temporada ao lado do pai se converteu num verdadeiro curso sobre criatividade, cujos pontos principais inspiraram um bocado esta reportagem, que ainda foi atrás de pessoas que pensam sobre o tema e outras que conseguem ­ graças a uma luta diária contra a banalidade ­ ter uma vida muito mais inspirada. E inspiradora, sem dúvida.
Desperte a imaginação
Não há um chamado dos céus. Não há trombetas. Nem sombra de um anjo anunciador aparecendo diante de um cenário azul-turquesa. É bem mais simples do que parece: quando nascemos, temos um potencial quase ilimitado de talentos. Crianças podem experimentar de tudo, da música à matemática, da invenção de objetos às histórias fantásticas. Tudo parece original, novinho em folha. Até os cinco anos, a criança não foi devidamente formada pela cultura, pela visão de mundo de seus pais, dos amiguinhos, da escola etc. "Os produtos criados pelas crianças pequenas são mais graciosos, sugestivos e originais do que os moldados pelas outras um pouco mais velhas", afirma o psicólogo americano Howard Gardner no livro Mentes Extraordinárias.
Mas a porca torce o rabo a partir dos sete anos (não por acaso a idade em que grande parte das crianças ingressa na escola). A partir desse momento os destinos dos pequenos ficam cada vez mais ligados às realidades e opções disponíveis em sua sociedade. Cabe, portanto, aos pais o papel de não deixar esse fogo ser apagado lentamente. A regra de ouro é nunca perturbar o mundo em miniatura criado pelos filhos. Dizer "não” o tempo inteiro é uma ótima forma de gestar um adulto sem viço e imaginação. O "sim” (com responsabilidade e cuidados, claros) é essencial para o florescimento da imaginação desde os primeiros anos de vida. É essa abertura para a imaginação (e as traquinagens) da criança que pode determinar se aquela garota que adora sujar as paredes de tinta será uma Frida Kahlo ou uma advogada que é feliz porque desenha em seu tempo livre. Não importa a qualidade artística que seu trabalho atinja, mas a autenticidade e o poder imaginativo que marcarão sua vida.
E por que as crianças são um exemplo para quem deseja redespertar para o mundo da criatividade? Porque se, para elas, falta repertório (cultura e conhecimento dos meios formais de produção), sobra intuição. "A base da criatividade é a intuição", afirma o arquiteto e ex-monge budista Márcio Lupion. Aprender a usar a imaginação, portanto, é reeducar-se para a intuição. Mas mesclando-a com todas as vivências e culturas que fazem parte da história de cada um.
A grande companheira da imaginação é a cultura. É o que defende Arthur Pereira e Oliveira Filho, diretor do Cesde, um centro transdisciplinar sediado em Petrópolis (RJ) que procura estimular a criatividade através do conhecimento do que de melhor a cultura produziu em seminários para executivos e que, em 1996, criou uma cidade do conhecimento no pequeno município paranaense de Faxinal do Céu (PR). Ali, durante um ano e meio, 38 mil professores da rede estadual travaram contato com Mozart, Shakespeare, Platão e outros nomes das artes e ciências. Uma experiência transformadora. “Quando voltavam para as salas de aula, eram professores mais criativos, mais abertos para estimular a produção de conhecimento.” Não “dá para ser criativo sem ter acesso às artes”, afirma Arthur.
Saia da "casinha"
Quando ficamos adultos, tudo parece ter sido feito para obedecer a um padrão. Se você é mais jovem, deve incorporar o papel de filho, de aluno, de novato. Mais velho, quase sempre terá que desempenhar o papel de pai. E o de funcionário, de vizinho ­ e assim por diante. Isso é natural. É da vida. Mas há um grande perigo a rondar tudo isso: o risco do clichê. Conformar-se aos padrões pré-estabelecidos é uma forma de podar a criatividade. Se você estiver fazendo ou percebendo algo muito familiar ou mesmo batido, repense sua situação. O feijão-com-arroz é uma delícia, mas é importante variar a dieta.
É importante não se conformar às expectativas. Se seu pai é médico, ou jornalista, ou técnico em informática, você não precisa necessariamente seguir a mesma carreira. Ouça, sempre, a voz dentro de você: ela é sua. Então, você percebeu que é diferente (ainda bem!)? Transforme essa diferença em vantagem. Alguns psicólogos chamam isso de "assincronia produtiva”. Agarre essa diferença com entusiasmo e alegria, tenha consciência dela e invista no que de melhor ­ e com mais gosto ­ você sabe e pode fazer. A história é sua. Ninguém além de você pode escrever sua narrativa por você.
Isso vale para tudo na vida. Até mesmo o autor desta reportagem tem uma história sobre assincronia produtiva para contar. Na escola, era um verdadeiro desastre em matemática. Não só um desastre: uma hecatombe. Porém ­ modestamente ­ fazia bonito em disciplinas como português e literatura. Durante muito tempo ele acreditou que não tinha futuro. Até se dar conta, graças a alguns professores fundamentais, que ele podia ser meia-boca com números, ele tinha essa "permissão". Mas que devia se esmerar cada vez mais naquilo em que ele demonstrava alguma habilidade. E foi assim que o autor desta reportagem aprendeu a não querer se enquadrar no padrão do aluno-modelo e foi feliz da vida curtir a poesia de Drummond, a prosa de Machado, o teatro de Nelson Rodrigues. E logo passou a cometer seus poeminhas e textinhos. Pois é.
Encontre sua voz
O clichê e os padrões parecem ter outro papel daninho: são como uma proteção emocional contra a chegada dessa forasteira, a verdade interior. Porque ela muitas vezes desestrutura padrões estabelecidos. E o paradoxo: mesmo quando alguém consegue imprimir sua marca pessoal em alguma atividade, acaba correndo o risco de se reacomodar, seja por causa do sucesso, do dinheiro, do status ou da tapinha nas costas. Mas quem realmente cria algo, para si ou para os outros, está mais interessado na fruição daquele momento de inventividade.
Pois o que está em conta é o processo ­ o caminho percorrido sempre, dia após dia, sem a preocupação exclusiva com a "chegada" (de novo: o dinheiro, o sucesso e outras mumunhas). Os japoneses falam no kaizen, o esforço para melhorar um pouco a cada dia. É disso mesmo que se trata. (Claro que alguém teve a brilhante idéia de transformar o próprio kaizen em um conceito "vendável": no pós-guerra, indústrias japonesas como a Toyota implantaram esse princípio à sua linha de produção. Encheram os tubos. Mas isso é outra história.)
"Quando pinto, não sei o que estou fazendo", teria declarado certa vez o artista-plástico americano Jackson Pollack (1912-1956). Daí que encontrar essa voz não significa embarcar em uma egotrip descabelada. "O processo criativo é uma espécie de iluminação: a individualidade, o ego, é anulada enquanto alguém está criando", afirma o arquiteto Márcio Lupion. Isso não quer dizer que aquele que cria tem que se manter impassível, sem envolvimento emocional. Mas o que está em jogo é certo distanciamento das preocupações mais comezinhas ou utilitárias a favor dessa hora da verdade que é o momento da criação. "É preciso transitar entre pólos objetivos e subjetivos", explica o artista-plástico Charles Watson, britânico radicado há décadas no Rio de Janeiro, professor de processos criativos em faculdades e cursos especiais. Isso quer dizer que o processo criativo é algo global, envolve toda a personalidade e as maneiras que cada um de nós tem para se diferenciar e se relacionar com os outros. "Criar é tanto estruturar-se quanto comunicar- se, é integrar significados e é transmiti-los", escreve Fayga Ostrower.
Tenha sempre paixão
É quase um 11º mandamento: a responsabilidade de manter a paixão é nossa. Em todos os aspectos da vida. Num relacionamento amoroso, cada dia é a oportunidade de cortejar novamente o parceiro, de se mostrar apaixonado, de renovar essa relação. São coisas simples, mas muito significativas, como deixar um bilhete fofo na porta da geladeira, trazer do mercado aquela geléia predileta do seu parceiro, abordar quem você gosta de maneira inesperada, como um beijo dado de surpresa.
Tudo isso tem a ver com a forma de olhar o mundo e de se relacionar com as coisas boas desta vida, como saber curtir uma refeição legal, uma música significativa, um poema especial. O consultor de empresas Igor Holovko sabe disso tudo. Quando era diretor de recursos humanos de uma grande rede de supermercados em São Paulo, Igor ­ que chegou a aprender rudimentos de japonês para cantar uma de suas canções prediletas ­ insuflou o espírito artístico entre os funcionários da rede. Cantavam, desenvolviam suas potencialidades e, de quebra, atendiam melhor os clientes.
Em sua vida particular, o consultor também demonstra os poderes de viver em permanente estado de paixão em tudo. Casado há 27 anos, pais de dois filhos, costuma viajar com a mulher "para namorar". Quando fizeram bodas de prata, repetiram a cerimônia de casamento no Mosteiro de São Bento, no Centro de São Paulo. Cantoria, boa comida, vinho, amigos e parentes reunidos. E Igor (terceiro lugar em um concurso de canto a Elvis Presley) entoou uma música à capela, diante de todos.
Autor de dois livros de poemas, Igor gosta de surpreender a mulher com um bilhete mais poético, um gesto inesperado, uma atenção especial. E isso tem que ser construído todos os dias. "Ouvir o coração é difícil", afirma.
Não desperdice seu dom
Inspiração? Existe. Aquele soprinho de idéia que surge no chuveiro, aquela sacada na mesa do boteco, depois de umas tantas cervejas, o palpite que aparece assim de repente no meio de um pensamento qualquer. Mas é preciso arregaçar as mangas, senão a idéia desaparece assim como veio, rapidinho. No livro de Naomi Wolf há uma espécie de receituário de Leonard: "Não espere pela inspiração, mas sente-se calmamente e comece; enquanto você estiver no trabalho, nem pense em falar, inclusive para você mesmo, sobre bloqueio criativo; use sua imaginação e continue trabalhando. Eis o seu rascunho. O primeiro será terrível; não desanime, continue trabalhando. Corte tudo o que não soar como saído de você ou aquilo que você não fez ardentemente ou que não seja verdadeiro. Se você tomou um caminho errado, volte; isso faz parte do processo. Então edite, edite, edite. Finalmente, saiba para onde você está indo."
Muita gente tem o pânico da página em branco (ou da tela em branco, ou da agenda em branco) porque justamente é a hora do vamos ver, o momento em que os sonhos, as ilusões, os palpites têm que ser desenvolvidos. Isso exige certa disciplina. Quanta gente tem o romance de sua geração todinho na cabeça ­, mas não move uma palha para começar a escrevê-lo. Assim não vale. O melhor é começar, sem pensar se o romance será vendido para o cinema ou arrancará elogios do crítico mais carrancudo do pedaço. Apenas escreva. Tente. Um dia sai. Pode não ser um Grande Sertão: Veredas, mas certamente trará muito mais satisfação pessoal do que apenas ficar esperando o momento certo para passar à prática.
Movida por essa disciplina, a empregada doméstica Miraildes Francisca dos Santos leva ­ por assim dizer ­ uma vida dupla. Trabalha em casa de família em São Paulo desde que veio de Floresta Azul, interiorzão da Bahia, aos 16 anos. Conseguiu terminar o curso médio, se interessa por língua portuguesa, vê pouquíssima TV, lê pacas e compõe letras de música. Tem 80 delas já devidamente registradas na Funarte. São músicas de todos os gêneros mais populares, como axé e gospel. Anda sempre com um caderninho a tiracolo.
Claro que Miraildes (ou Miriam Francis, o nome artístico com que gravou a canção "Esse Neguinho" em um CD de divulgação de sua obra) sonha em ocupar as principais posições nas paradas de sucesso. Isso é normal. Ela é humana. Mas isso, para ela, é mais um sonho entre tantos. O que ocupa mesmo sua cabeça no dia-a-dia é a atividade literária: as letras de música, os poemas, as anotações tomadas nos cadernos. "Quanto mais eu leio e escrevo, mais tenho inspiração", afirma.
O erro faz parte

Sempre há uma hora meio desanimada, em que nada parece dar certo.A solução para isso, mais uma vez, está nas crianças.Mais especificamente na capacidade lúdica delas. Encarar o trabalho, as atividades diárias, as obrigações de forma divertida pode ser um antídoto para o desalento que sobrevém de algum deslize. O espírito do jogo liberta. "O reino da liberdade começa apenas quando o ponto em que o trabalho, sob a compulsão da necessidade e da utilidade externa, é ultrapassado", anotou Karl Marx.
Inspirados nessa frase, sociólogos como o americano Bob Black reivindicam o poder infantil para abolir a escravidão da seriedade, que mutila a criatividade dos adultos. "Precisamos das crianças como professoras, não como alunas. Elas têm muito a contribuir para a revolução lúdica porque sabem brincar melhor do que os adultos. Adultos e crianças não são idênticos, mas vão se tornar iguais por meio da interdependência. Somente a brincadeira pode acabar com o conflito de gerações", escreve.
Jogo e criatividade são palavras bem conhecidas pelo médico fluminense Lúcio Abbondati Jr. Interessado nos efeitos da criatividade e dos jogos sobre o bem-estar de muitas pessoas que o procuravam no consultório, Lúcio fundou, em 1989, o centro "Além da imaginação", instituição transdisciplinar sediada em Niterói. Ali, durante os sete dias da semana, crianças, adultos e idosos travavam contato com manifestações tão díspares quanta música, histórias em quadrinhos, RPG e literatura. Com essa experiência, Lúcio passou a ministrar palestras e cursos sobre jogo e criatividade. "A falta de espírito lúdico mata a originalidade. Mas o adulto que joga cria", afirma o médico.
O jogo é essencial porque nos adestra para a tentativa e o erro. Reservar um espaço na vida atribulada de hoje para brincar e, eventualmente, errar não é tarefa das mais amenas. Lúcio Abbondati costuma receitar aos seus pacientes, grande parte deles gente ocupada, que marquem na agenda um encontro semanal com "Dr. Carvalho" ­ nome-fantasia para o compromisso inadiável consegue mesmo: uma hora para ler um livro despreocupadamente, para jogar uma partida de dominó com os filhos, para fazer uma atividade manual. "A criatividade motivada por atividades lúdicas libera endorfina, trazendo bem-estar", assegura o médico.
Siga em frente
O escritor argentino Jorge Luis Borges dizia que publicava seus livros para não ter que ficar a vida inteira revisando-os. Um texto, uma atividade artística, até mesmo aquele prato que só você sabe fazer na verdade nunca termina ­ apenas é abandonado. Há uma hora em que é preciso saber guardar as ferramentas. Até para não dormir nos louros e se estagnar. Reinventar-se a cada nova atividade é essencial. Charles Watson costuma resumir em três pontos as qualidades para criar: 1 - conservadorismo (no sentido de conhecer aquilo que veio antes, a tradição); 2 - ­ ousadia (certo espírito aventureiro, de desbravador); 3 - ­ disposição. Sem esses três pilares, não adiantam a imaginação, a paixão, a voz, a disciplina e o lúdico: tradição e ousadia, vontade e disposição coabitam a mesma casa. Olhar para frente, encarando novos desafios (embora valorizando os ganhos anteriores), é muito importante para manter-se sempre aberto à criatividade.
Quem leu Quase-Memória, o delicioso romance de Carlos Heitor Cony, sabe do que se está falando. No romance (publicado em meados da década de 1990, depois de um jejum literário de 20 anos, justificado pelo autor ­ olha só ­ devido à ausência de ter o que falar), Cony evoca a figura de seu pai, o jornalista Ernesto Cony Filho, um tipo falastrão que gostava de bolar histórias, era inventivo o suficiente para comprar resmas de papel para construir balões, criava galinhas, produzia perfumes. Inquieto, quebrou a cara muitas vezes. Mas, depreende-se do relato do filho, podia ser considerado um homem feliz. "Amanhã farei grandes coisas", costumava dizer à noite. Uma promessa que vale para cada um de nós. Sempre.
Os mandamentos da criatividade
Afinidade: Reserve um momento do dia só para você fazer algo de que realmente goste.
Jogo: Mantenha um clima lúdico em suas relações pessoais e, se possível, em sua rotina diária.
Infância: Não sobrecarregue a criança com uma agenda digna de gente grande.
Desenvolvimento: Nunca pare de buscar informação: leia livros e revistas, acesse a internet.
Cultura: Viva as artes: vá ao cinema e ao teatro, passe a freqüentar exposições.
Liberdade: Procure ser espontâneo: a liberdade criativa começa em sua maneira de encarar a vida.
Inocência: Lembre-se de como você era quando criança: recupere um pouco aquele espírito.
Empatia: Aprenda a olhar para si e para os outros: o afeto nutre a criatividade.
Amor: Nunca deixe de cultivar seus verdadeiros gostos e paixões: eles vão alimentá-lo sempre.
Ação: Sonhar é importante. Projetar o futuro é essencial. Mas fazer é muito mais.
Para saber mais
LIVROS. Criatividade e Processo de Criação, Fayga Ostrower, Vozes. O Código do Ser, James Hillman, Objetiva. Mentes Extraordinárias, Howard Gardner, Rocco. A Banheira de Arquimedes, David Perkins, Ediouro. Groucho-Marxismo, Bob Black, Conrad. The Tree House, Naomi Wolf, Simon & Schuster

Sintetizando o processo criativo…
Maria Rita Gramigna
Eu penso 99 vezes e nada descubro [Esquentamento]; deixo de pensar, mergulho em profundo silêncio [Incubação] - e eis que a verdade se me revela [Solução].
Citando Albert Einstein para definir as três primeiras etapas do processo criativo.
Desmistificando o processo criativo…
Todos nós em algum momento de nossas vidas fomos expostos a uma situação em que se apresente a necessidade criar ou inovar, todos nós de uma forma ou de outra respondemos a este processo prontamente.

Desta forma, passamos por etapas complementares e subseqüentes que nos permitiram a oportunidade de conhecer e utilizar os meios específicos para que cada etapa fosse alcançada de forma significativa.

Portanto, adiamos todo e qualquer julgamento crítico, a fim de utilizar nossa capacidade de criação sem pudores ou convenções.

Em um primeiro momento, o desafio de criar…
… ou ainda uma oportunidade de fazer uso da criatividade.

Consiste na verdade na capacidade de identificar e organizar esse desafio, para então buscar meios de observação, definição e preparação para o ato criativo.
Enquanto criador, conhecer o objeto de seu desafio, separando conscientemente o problema e organizando informações que dispõe e outras que venham a colaborar para que se efetive o ato criativo.

Posteriormente, transcender as formas reais e habituais em que a criatividade se manifesta, ou seja, usar toda imaginação para modificar, adicionar, subtrair, complementar …
Nem tudo é ou deveria ser da forma como vemos na maioria das vezes, não temos que enxergar necessariamente da mesma forma, onde eu vejo lixo você pode ver luxo e desta forma nos diferenciamos pelo processo de uso da criatividade.

Feita a identificação e definição do desafio proposto, esgotando-se as formas de uso da criatividade sobre determinado objeto, é chegado o momento de assimilar esse processo…

Neste momento, cabe utilizar-se do subconsciente para melhor entender, absolver e organizar as etapas anteriores.

Realizadas estas etapas, encontra-se por conseqüência, a etapa posterior.
Esta compreende a descoberta, a real percepção sobre algo que estava posto e que não vemos por falta de exploração criativa.

Do turbilhão encontrado em nosso subconsciente, passe-se então a etapa final.
Momento este, em que o criador, adapta a solução, ou seja, seleciona a que melhor se adapta a exigência do momento. Torna-se julgador, para avaliar o produto criado.

Meditação
Assim como você pode observar o que acontece ao seu redor, você pode, também, observar os seus próprios pensamentos. Veja a sua mente como um palco e seus pensamentos, idéias e imagens como atores que entram e saem de cena. Não tente expulsar nem lutar com nenhum deles; simplesmente deixe que venham, desempenhem o seu papel e partam – apenas observe seu processo de criação. Se você pode observar os seus pensamentos é porque você não é igual a eles. Você é o pensador e não os pensamentos. Esta é a grande descoberta no processo de meditação. Pense nisso.
Brahma Kumaris
Com o passar do tempo, muita coisa vai acontecendo…
De repente a gente se dá conta que os contos de fada não existem… e que as histórias de “Foram Felizes para sempre” só tem algum sentido fantasioso porque ninguém decidiu contar como isso continua.
Na verdade, tudo é bem diferente a olhos nus…
Mas o pior de tudo é perceber de repente o quanto vivemos em um círculo vicioso, e por mais que não haja aceitação da nossa parte, por mais que o desejo de mudança exista… na maioria das vezes, acabamos repetindo tudo novamente.
Mais que isso, percebemos que poucos fazem por nós, nossas ações acabam se vinculado ao outro, ou é com ele, ou para ele…
…pouco se faz por nós, nossa própria companhia parece enfadonha demais…
O desejo de ação existe, o desejo de mudança é latente, mas o processo criativo fica estagnado como se nada fosse possível para que esse desejo seja saciado.
Perceber-se mulher é um fato que vai tomando forma sem que nos demos conta, passamos por esse processo sem perceber o quão sensível ele é… é uma sensibilidade que ultrapassa as formas reais de aceitação e vivência, é quase vital.
É um processo mais ou menos consciente que envolve emoção positiva e negativa, talvez uma em maior ou menor proporção que a outra, mas os dois presentes.
A consciência de ser mulher, de ter uma feminilidade aguçada ou não… é algo presente e familiar.
Contudo, a feminilidade não é como acordar de manhã e perceber que algo mudou… e passar pelas mudanças sem ao menos saber do que se tratam… é um processo interno que acontece gradativamente, em câmera lenta… e vai tomando conta, se tornando presente, se alterando e tomando formas, na maioria, novas formas.
Os acontecimentos passam a ser chamados de fatos, os fatos passam a ser chamados de experiências e são essas experiências que dão sentido a vida e vão alimentando nosso ser.
A vida é um constante processo criativo… nada está acabado. Tudo vai aos poucos, se formando… de dentro para fora…
O processo criativo é uma resposta do processo interno, e este processo interno define as margens e formas desta criação…
O processo criativo
Algumas pessoas vêem a criatividade como uma atividade relativamente não estruturada de pular em torno de idéias até se deparar com a idéia certa. Embora isto funcione para algumas pessoas, muitas situações da vida real requerem uma abordagem mais estruturada. A liberdade para experimentar é essencial para a criatividade, como também alguma disciplina para assegurar objetividade e consistência.
Seja qual for o nível de estruturação adotado, o processo criativo se fundamenta em três princípios: Atenção, Fuga e Movimento. O primeiro princípio nos diz: concentre-se na situação ou problema; o segundo: escape do pensamento convencional; o terceiro: dê vazão à sua imaginação. Estas três ações mentais formam uma estrutura integrada em que se baseiam todos os métodos de pensamento criativo. As diferenças entre os diversos métodos encontrados na literatura especializada estão na ênfase dada a cada um destes princípios e nas ferramentas usadas. As definições destes três princípios são parcialmente inspiradas no trabalho de Paul E. Plsek (Creativity, Innovation and Quality, ASQ Quality Press).
ATENÇÃO
A criatividade requer que primeiro concentremos nosso foco em algo, um problema ou uma oportunidade. Ao nos concentrarmos, preparamos nossa mente para romper com a realidade existente e se abrir para a percepção de possibilidades e conexões que normalmente não enxergamos.
Se estivermos explorando oportunidades, voltamos nossa atenção para o que não funciona ou pode ser aperfeiçoado:
O que é difícil e complicado e pode se tornar fácil e simples.
O que é lento e pode se tornar rápido, ou vice-versa.
O que é pesado e pode se tornar leve e portátil.
O que é instável e pode se tornar estável e confiável.
O que está separado e pode ser combinado e unificado, ou vice-versa.
Muitas outras possibilidades em que usualmente não prestamos atenção.
Até 1980, a indústria de computadores dirigia sua atenção para a máquina, como torná-la mais potente. Apple e Windows focaram sua atenção no usuário, em como tornar o computador mais acessível e mais amigável, revolucionando toda a indústria de informática.
Se estivermos analisando um problema, concentramos nossa atenção para compreender melhor a situação, suas diferenças e similaridades com outras situações conhecidas, as peculiaridades do problema analisado e suas possíveis causas. Tentamos entender a situação, procurando respostas para as seguintes questões: O que está acontecendo? Onde? Como? Quando? Por quê? Quem está envolvido?
Tanto no caso de exploração de oportunidades, quanto no caso de solução de problemas, devemos ficar atentos aos paradigmas, aos sentimentos e às suposições que podem estar atuando sobre nossa percepção e entendimento da situação.
A verdadeira viagem do descobrimento não consiste na procura de novas paisagens, mas em ter novos olhos. (James L. Adams).
FUGA
Tendo concentrado nossa atenção na maneira como as coisas são feitas atualmente, o segundo princípio do processo criativo nos chama a escapar mentalmente dos nossos atuais modelos de pensamento. É a hora de refletir sobre os nossos bloqueios mentais e derrubar as paredes que limitam nossa imaginação ao que sempre fizemos ao que é confortável e seguro.A verdade é que os hábitos, mais do que nossas habilidades, predominam na escolha de nossos caminhos. Tendemos a trilhar sempre o mesmo vale que se torna cada vez mais profundo e mais difícil de escapar.
Você não pode resolver um problema com a mesma atitude mental que o criou. (Albert Einstein).
MOVIMENTO
Simplesmente prestar atenção e escapar do modelo de pensamento atual não é sempre suficiente para gerar idéias criativas. Movimento, o terceiro princípio nos leva a continuar a exploração e combinação de novas idéias. É o momento de dar asas à imaginação e gerar novas alternativas, sem perder de vista os propósitos do processo criativo. É o momento de fazer conexões insólitas, de ver analogias e relações entre idéias e objetos que não eram anteriormente relacionados.
O conhecimento destes três princípios abre o caminho para o entendimento dos diversos métodos e técnicas de criatividade encontradas nos livros. As técnicas existentes têm a finalidade de nos auxiliar em pelo menos um dos três princípios. Diferentes métodos resultam da diferentes combinações destas técnicas. Dominando os três princípios, Atenção, Fuga e Movimento, você pode criar o seu próprio método, selecionando, combinando, ou mesmo criando as técnicas e ferramentas que mais se adaptam à sua personalidade e preferências. Você também pode adequar métodos e técnicas ao problema específico que você está enfrentando.
O quadro abaixo resume os três princípios e apresenta um checklist do que você deve considerar na montagem de suas técnicas de criatividade.
A definição de criatividade mudou de habilidades unidimensionais para habilidades tetradimensionais, aquela que une o pensamento lógico com a criativa solução de problemas. Indivíduos com esta “New Creative Mindset” utilizam todas estas partes para o processo do pensar. O resultado é uma abordagem holística da criatividade, muito mais eficazes diversos pontos-chave e experiências.
www.kaneoya.com.br/wordpress/index.php/2007/03/
Criatividade
Objetivo melhorar a si mesmo. Quando você toma essa atitude, é porque deseja realmente limpar todos os defeitos do seu caráter. A partir daí, você se esforça ao máximo para remover as negatividades. Mas, para chegar a esse estágio é preciso se tornar calmo e pacífico, ficar em silêncio e conseguir se ver por dentro. Então, você se torna capaz de promover uma faxina interior e, assim, começar a criar coisas novas. É essa prática que pode desenvolver a sua habilidade criativa.
(por Brahma Kumaris)



Os modelos… “Vozes silenciadas”
É próprio do ser humano utilizar-se de modelos, seguir por imitação o que gostaria de ser ou como ser… ao buscar modelos nos deparamos com inúmeras representações que por ora se aproximam do que somos e em outros momentos se distancia completamente…
A natureza da mulher criativa esta presente na sociedade em uma diversidade tamanha que nos permite perceber e julgar, isso em consonância com o que somos e com o que passa a ser desvendado por nós em nosso interior. O fato é que de em modelo em modelo alguém pode se descobrir…
Linda A. Firestone, Ph. D. em seu livro O despertar de Minerva, apresenta o modelo da deusa Minerva como modelo alheio a sociedade atual, sendo “personificação da sabedoria, força, da beleza e do amor… representa todo potencial de criatividade contido em uma mulher… guia de inspiração… corporificarão da possibilidade (…)”
Minerva destaca-se por ter sido deusa de homens e mulheres, muito embora não seja a única deusa que imprima o poder criativo que todas nós buscamos ou deveríamos buscar…
Trata-se aqui de um incentivo à busca da mudança… já que a criatividade está presente na vida de qualquer mulher… seja por meio de uma de uma expressão pequena ou grandiosa… a essência criativa permanece em destaque na expressão pessoal.
O sentido da criatividade, portanto, está na capacidade de utilizar a imaginação para interpretar a vida e dar sentido às questões passíveis de mudança.
A imagem de mulher ultrapassa o arquétipo veiculado pela mídia, bem como as figuras desprovidas de sentido para a mulher de verdade, do cotidiano atual.
Falta a mulher um modelo que lhe propicie segurança e fortaleza, que lhe seduza no que diz respeito ao autoconhecimento, autoconfiança… poder.
“No saber arquétipo existe a idéia de que, se alguém prepara um lugar psíquico especial, o ser, a força criativa, a força da alma terá conhecimento dele, sentirá o caminho para chegar lá e habitar esse lugar (…)” (Clarissa Pinkola Estés)
Aqui, destaca-se a criatividade em todas suas formas de expressão…
…reconhecer uma mulher criativa e tornar-se uma é dar espaço para conhecer diferentes modelos de criatividade…
… seja intelecto, intuição, emoção, imaginação…
O caminho da experiência criativa está em nós mesmos, e não em outro lugar!
À luz dos deuses…
… Força e sabedoria, nunca foram características vinculadas a figura feminina, salvo aqui as conquistas que mascararam esta realidade, e as características das deusas da história greco-romana.
Explorar esta força e esta sabedoria compete à mulher a ousadia de fazer uso de todo seu poder criativo, e independente de como isso venha a acontecer fazê-lo tomar forma… explodir!
Mulheres são criativas! Está na essência da personalidade…
E que não me venham dizer o contrário… dada a grande capacidade de adaptação, seja em situações corriqueiras ou em grandes acontecimentos.
Muitos de nós, em algum momento, discordamos disso… é um fato. Seja por ignorância, por omissão ou por intimidação…
Silenciar a capacidade de criar é o mesmo que preparar o próprio funeral!
Deixar de fazer o que sempre quis fazer é tarefa de covardes… mas graças a força e sabedoria dada a nós desde a antiguidade… A ação criativa e as diferentes formas de expressão dizem respeito ao que todas as mulheres são em essência e espécie!
Trata-se de um convite, de olhar de dentro para fora, encarando todas as barreiras que dificultem esta explosão… trata-se de aguçar nossos sentidos percebendo e realizando na mesma proporção, sem que um venha a sucumbir o outro!
Explorar o “eu criativo”, é desvendar a si mesmo… atribuir-lhe força e coragem… sentir-se poderosa o bastante para brilhar e se destacar!
A criatividade é desde muito tempo, a chave para a expressão, seja de qual natureza for. É ela que nos torna capazes de mudar e crer nas próprias potencialidades.
As imagens das grandes deusas, o poder das idéias vinculadas a elas… são como combustível no processo criativo!
Deusa Minerva
Minerva era filha de Júpiter, após este engolir a deusa Métis (Prudência). Com uma forte dor de cabeça, pediu a Vulcano que abrisse sua cabeça com o seu melhor machado, após o qual saiu Minerva, já adulta, portando escudo, lança e armadura. Era considerada uma das duas deusas virgens, ao lado de Diana.
Deusa da sabedoria, das artes e da guerra, era filha de Júpiter. Minerva e Neptuno disputaram entre si qual dos dois daria o nome à cidade que Cécropes, rei dos atenienses, havia mandado construir na Ática. Essa honra caberia àquele que fizesse coisa de maior beleza e significado. Minerva, com um golpe de lança, fez nascer da terra uma oliveira em flor, e Neptuno, com um golpe do seu tridente, fez nascer um cavalo alado e fogoso. Os deuses, que presidiram a este duelo, decidiram em favor de Minerva, já que a oliveira florida, além de muito bela, era o símbolo da paz. Assim, a cidade nova da Ática foi chamada Atenas, de Atena, nome que os gregos davam a esta deusa.
Minerva representa-se com um capacete na cabeça, escudo no braço e lança na mão, porque era deusa da guerra, tendo juntado de si, um mocho e vários instrumentos matemáticos, por ser também deusa da sabedoria. A Minerva é o símbolo oficial dos engenheiros.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Minerva
BIBLIOGRAFIA SOBRE INOVAÇÃO E CRIATIVIDADE

(Até onde se torna válida a indicação de livros sobre o tema)
Vem dos Gregos uma imagem preciosa sobre a luta da espécie humana para conquistar o conhecimento. Ensinaram eles imaginar a luz como o saber, e a escuridão como a ignorância. Temos todos, portanto, um halo de luz, que representa a soma de nossos conhecimentos e, em volta, a escuridão, que seria a noite do nosso não-saber. Pois bem, visualizando esses dois campos, percebemos que quanto mais aumentarmos o nosso saber, maior o nosso halo, maior será o nosso contato com a escuridão do que ainda não sabemos. Em resumo, quanto mais sei, mais sei que pouco sei. Por isso Goethe afirmou ser tolice o homem querer explicar tudo.
Mas, em vez de se entristecer com essa constatação, poderemos nos alegrar por ver inesgotável a possibilidade de nossas explorações, isso se nos conciliarmos com a limitada condição humana. É aprender sem nunca chegar ao fim da aprendizagem. Essa reflexão obviamente “cai como uma luva” quando falamos dos avanços da ciência e da tecnologia, estudados na disciplina que hoje comumente se conhece como “inovação”. Como então encarar o desafio implícito nessas considerações, para se pesquisar os ganhos não lineares do conhecimento, e, mais ainda, para aproveitar o conhecimento e nos qualificarmos como pessoas inovadoras? Como estudar a matéria? O que ler? Que exercícios fazer?
Enfrento esse tipo de pergunta desde 1986, quando comecei a lecionar criatividade. Por força de ter sido sempre um profissional de criação publicitária, comecei a responder a indagação com alguma facilidade. Organizei uma cuidadosa bibliografia sobre o tema, pus-me fornecê-la, além de consultá-la como interessado. Como um pesquisador feliz pela oportunidade, pus-me a aplicar os seus conceitos, principalmente na orientação dos alunos. Assim meu halo de conhecimentos do tema foi aumentando, e, descobri minhas certezas diminuindo. As fontes continuavam sendo recomendáveis, mas a complexidade minava minha confiança inicial. Hoje, e particularmente aqui neste texto, faço um balanço da bibliografia que usei, primeiramente nas aulas de criatividade, e posteriormente nas aulas de inovação. Verifico que durante os 16 anos em que “estou” professor, acabei compilando uma extensa bibliografia, das que acabam desencorajando o leigo. Com o cuidado de não ser omisso, além dos livros comecei a recomendar filmes. E agora, sites. Mas amanhã, quem sabe, em um refluxo, talvez eu esteja recomendando prioritariamente “interlocutores presenciais”, isto é, conversas pessoais com gente que tenha informações para trocar. Penso que poderei fazer isso convencido de estar seguindo uma lógica didática, para certamente perceber depois que devemos fazer um caminho de volta à simplicidade, desistindo de abarcar o intangível universo do conhecimento, para procurar as fontes da velha e boa sabedoria, que hoje sabemos, se alicerça menos no ganho cognitivo do que na prática do humanismo. Boas “trocas de figurinhas” com gente interessante valerão tanto como bons livros. Nada tenho contra os “chats” da internet, mas continuarei recomendando conversas ao vivo, onde a comunicação é mais rica e fecunda. Prevejo também que continuarei recomendando técnicas de “elaboração de receitas” para que cada pessoa trace o seu caminho ideal na sua noite do não saber. Consultar listas de livros é um passo inicial, para tentarmos imaginar os títulos e autores que nos “pegarão a veia”, o que talvez só seja possível descobrir depois, ao folhear os livros em uma livraria ou biblioteca. Nada muito diferente do que navegar na Internet, para os adeptos. Essa procura, contudo, renderá muito mais se a pessoa tiver traçado um plano geral de viagem, onde colocará seu destino ideal, suas alternativas úteis e seu trajeto preferencial. O plano leva em conta suas peculiaridades de formação e de personalidade, e por isso é individual. Ele deve contemplar primeiramente a maneira de ser da pessoa, suas prioridades, sua dose de disciplina usual, seus valores, tudo, enfim, que possa indicar uma meta “cabível” para a pessoa. Programas ambiciosos demais trarão sentimentos de culpa e frustração. Para traçar seu plano, portanto, primeiro é conhecer-se, dominar suas qualidades e defeitos. Aí é possível determinar-se um programa, e ter um planejamento operacional, quantificado talvez em horas semanais, e especificado em autores e/ou tipos de livros a consultar. Fazer resumos e anotações é útil, bem como ter alguém para discutir as descobertas. Estas sugestões mostram como a receita precisa ser individual, e como ela só pode ser teoricamente esboçada em um texto como este.
Porém, para não ficar só na área da teoria, adiantarei aqui alguns livros que, como antibióticos de amplo espectro, abarcam mais áreas de interesse particular dentro do tema. Depois desses, remeterei os interessados à minha relação completa, fora deste texto. Aqui, penso que meia dúzia dos livros mais gerais já será útil. Dois sobre criatividade, e cito um dos meus livros por questão de coerência, o terceiro sobre os estudos do funcionamento da mente, domínio útil para uma orientação própria, e os outros três sobre inovação. Os que não foram traduzidos indicam no original.
Sobre criatividade: The Act of Creation, Arthur Koestler, Arkana Penguin, U. K. 1989 e Criatividade Abrindo o Lado Inovador da Mente - J. Predebon, Atlas, SP, 2003.
Sobre a mente, para tentar usá-la melhor, Undiscovered Mind, John Horgan, Touchstone Book, NY, 1999
Sobre inovação: Liderando Mudança, John Kotter, Campus, SP, 1997 // Gestão da Mudança, Ruben Bauer, Atlas, SP, 1999 // Big Change, Paul Taffinder, Wiley & Sons, U.K, 1998 // O Crescimento pela Inovação, Claytoin M Christensen, Campus 2003
Os outros livros da minha bibliografia estão na relação, que, como este texto, fica diICHO É ESSE?
Por: Armando Pilla*
Talvez a palavra criatividade não retrate exatamente o que ela significa. Dita assim "criatividade" sugere o aparecimento de uma obra instantânea, algo do tipo inspiração. E criatividade não é isto.
Criatividade é sinônimo de SOLUÇÃO DE PROBLEMAS. Ela só existe, ela só se exprime, em face de um problema real, como aplicação para um problema real.
Não há criatividade sem problema referente. Ela sempre parte de um problema, na maioria esmagadora ou então vai ao problema em situações excepcionais. Contudo a criatividade é sempre componente ativo de um problema, verdadeira razão de ser de tudo o que se compreende como solução de problemas.
Ela sempre parte do problema. E aqui poderíamos citar milhares, milhões de exemplos. Para ilustrar, pegaremos um bem clássico: Se o leitor fosse escolhido para descer uma máquina em um buraco de 3 metros de profundidade, de diâmetro igual ao do equipamento, como resolveria o problema? Aparentemente o problema é bem complexo, mas de solução muito simples. Encha o buraco com água, congele-o e coloque a máquina sobre o gelo. Aguarde o gelo derreter e com uma bomba vá tirando o excesso de água que irá se formar. A máquina chegará sem muito esforço a seu destino.
O que queremos enfatizar no exemplo acima é que apesar da solução ser óbvia, muitas vezes não nos dá conta de soluções simples e procuramos soluções complicadas e mais demoradas. Certamente alguns teriam aumentado o buraco para nele colocar uma rampa e posteriormente descer o equipamento. Outros teriam contratado um arsenal de engenhocas envolvendo muitas pessoas e assim por diante.
Mas como acontece o processo criativo. As soluções não aparecem do nada como que por encanto, mas são sim resultado de um processo criativo que evolui com o passar do tempo. Bem vejamos como funciona tal processo que podemos dividir em quatro fases distintas: preparação, incubação, iluminação e verificação.
Esta divisão é arbitrária, e pode ser feita de maneiras distintas. Ela foi escolhida por sintetizar o processo criativo de maneira mais prática. Vamos então ao processo criativo:
Preparação: Neste momento estamos a frente de um problema (qualquer que seja ele) e partimos para a coleta do maior número de informações sobre ele. Dados, números, etc. Após o levantamento de dados passamos a pensar sobre o problema com base nas informações de que dispomos. Devemos ler discutir, anotar, colecionar e cultivar nossa atenção sobre o assunto.
Devemos "curtir" o objeto de nosso esforço. Devemos saber tudo sobre o assunto, devemos conviver com ele dia e noite enquanto os nossos 10 bilhões de neurônios se aquecem para responder a nossa crucial pergunta: o que devo fazer para resolver tal problema?
Outras técnicas podem ser utilizadas nesta fase do processo criativo: ler o maior número de catálogos, revistas, assistirem filmes variados, prestar mais atenção em conversas informais e nas pessoas caminhando nas ruas, observar mais o cotidiano. Certamente estes referenciais servirão de elementos catalisadores no processo seguinte.
Incubação: Nesta fase do processo você se desliga, descansa do problema. Porém mantém uma pequena luz acesa (dizendo que o problema ainda não foi resolvido).
O que acontece então: o inconsciente liberto do consciente procura fazer as diversas conexões que são a essência da criação.
Nesta fase procure ir ao teatro, ao cinema, ouça música, toque um instrumento, leia jornais, jogue, divirta-se. Quanto mais atividades você fizer mais rapidamente virá à solução ou soluções para o seu problema. Era nesta fase que Einstein tocava violino. Beethoven fazia longas caminhadas e rabiscava seus pensamentos.
Jamais tente resolver dois problemas ao mesmo tempo um no consciente e outro no inconsciente. O esforço consciente é a preparação exaustiva para garantir o combustível para o inconsciente. Thomas Edson dizia que "o trabalho inconsciente é impossível se não for precedido pelo trabalho consciente. Já George F. Kneller dizia: "A inspiração não pode vir sem o trabalho do inconsciente, mesmo que seja por seis meses, seis horas ou seis minutos". Modernamente podemos acrescentar seis segundos.
Na incubação todos os nossos referenciais pessoais, isto é, tudo que aprendemos em nossa vida e que está arquivado em nossa memória é vasculhado. Estes referenciais vão desde a fecundação de óvulo até o último segundo vivido. Nossas experiências de vida também fazem parte desde grande arquivo que é manuseado pelo nosso inconsciente.
Iluminação: Esta fase ocorre nos momentos mais inesperados de nossa vida. É o momento em que as soluções aparecem repentinamente. É quando visualizamos a solução do problema. É o clássico EUREKA de Arquimedes.
Muitas vezes a iluminação acontece na rua, no restaurante, no trânsito ou em qualquer lugar, qualquer lugar mesmo.
Um Diretor de Criação de uma grande Agência de Publicidade brasileira estava encarregado de criar uma campanha publicitária para um grande anunciante. As soluções apresentadas eram medíocres e o prazo estava se esgotando. Um dia quando estava indo para a agência, numa manhã de primavera, ficou preso num engarrafamento dentro de um túnel por dez minutos. Quando finalmente saiu estava com as linhas gerais da campanha pronta. Foi para sua sala reescreveu o texto que tinha rabiscado dentro do túnel, desenvolveu os layouts e a campanha foi aprovada com louvor. A iluminação aconteceu dentro do túnel, ele escreveu as idéias que afloravam e se encaixavam como se fossem peças de quebra-cabeças.
A iluminação é o processo de maior clímax fulgurante em qualquer nível, seja artístico, científico ou meramente publicitário. O autor sente-se tomado pela exaltação, pois é uma das mais intensas alegrias que se conhece, é uma das mais gratificantes faculdades da condição humana.
Verificação: Neste estágio volta tudo à realidade. O intelecto tem de terminar a obra que a imaginação iniciou. Neste momento o isolamento não é aconselhável, pois necessitamos das reações alheias, através de testes, críticas, julgamentos e avaliações.
É o momento em que devemos começar a pensar física e mentalmente. Mentalmente passamos a levantar o problema originário e devemos fazer com que a mente mergulhe literalmente nele. Na parte física cabe-nos executar a criação.
Talvez o ponto mais difícil da verificação seja começar. Neste momento tenho uma sugestão para o leitor: comece pelo início, sempre.
Organize-se de maneira que as "coisas" fluam naturalmente, que tudo se encaixe como no quebra-cabeça, pois cada peça tem seu lugar definido. Não tente chegar ao final sem ter passado pelo início, pois, até agora o que fizemos foi passar por diversas fases de um processo, portanto não tente atropelar a seqüência dos acontecimentos. Você já esperou por bastante tempo, não custa esperar mais um pouco.
Sugiro que todas as idéias sejam anotadas, de alguma forma elas serão úteis em algum momento. Não tente selecioná-las, apenas as escreva. Aquelas que não forem aproveitadas deverão ficar arquivadas num "banco de idéias" para posterior utilização, neste momento estaremos fazendo um "brainstorm" aonde todo o manancial do inconsciente que veio à tona deve ser guardado para não se perder.
Ter idéias é descobrir relações novas entre coisas conhecidas. É por isto que dizemos que as idéias mais simples são as melhores, Normalmente as pessoas tentam complicar o simples e em cem por cento dos casos elas devem rever suas soluções. A simplicidade faz parte da criatividade e muitas vezes a solução por sermos tão óbvia nós não a vemos com tanta facilidade.
Criar é resolver problemas. O processo criativo é de domínio público, inerente a cada um de nós. E consciente ou inconscientemente passamos pelos quatro estágios acima relatados. O que sugerimos é que tomando conhecimento deste processo, possamos acelerar as soluções ou simplesmente torná-las mais executáveis.
Cabe-nos ressaltar também que além da criatividade, existem pessoas "inspiradas". Além de criativas são sensíveis aos seus dons. Mozart, Da Vinci, Freud e tantos outros gênios que conhecemos enquadram-se aqui.
Porém, se alguém lhe perguntasse qual a condição para um compositor compor uma excelente sonata, certamente teria como resposta: a inspiração.
Não, posso responder com toda a minha convicção. A condição para um compositor compor uma excelente sonata é ele ser um excelente compositor...
Na realidade o queremos dizer é que as pessoas possuem núcleos de capacidades e conhecimentos (que nós poderíamos chamar de arquivos específicos). Jamais um filósofo será um excelente relojoeiro. Neste caso seus referenciais de vida o levam a trabalhar em áreas específicas. Muitos dos grandes teóricos da física e da matemática nunca viram na prática o resultado de suas descobertas, pois eles eram pensadores. Coube a outros provarem suas teorias, na prática.
Cabe-nos então achar a nossa parte na história da humanidade. E este é o problema que deixo para ser resolvido, individualmente por cada um de nós.
*Armando Pilla: Professor de La Univ. Internacional de Andalucía, Publicista, Professor de La Univ. de São Paulo em Brasil.
Pesquisa em arte: acasos e permanências de um processo gráfico

Autor: Dra. Lurdi Blauth
Instituição: Curso de Artes Visuais, Centro Universitário Feevale, Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, Brasil.

Resumo
Este artigo analisa alguns aspectos de minha pesquisa em Poéticas Visuais, cujas questões são provenientes de uma prática artística com base na gravura. Os procedimentos operatórios de queimar e condensar foram identificados durante o processo de criação. Nesse percurso, os acasos e imprevistos provocados pela ação do fogo, são incorporados nas impressões das matrizes sobre a parafina, resultando nas imagens gráficas da série Sílex.
Palavras chave: pesquisa em arte, acaso e criação artística, gravura contemporânea.

Abstract
This article analyse some aspects of mine research on Visual Poetics, which issues coming from an artistic practive based on printing. The operational procedures burning and condensing were identified during the creation process. In this way, the accidents and unexpecteds provocated with fire action are incorporated in the impression of the matrixes upon paraffin, resulting of the graphic images in the serie Sílex.
Key words: art research, accidents and artistic creatin, contemporary printing.


Ao iniciarmos uma pesquisa em arte nos questionamos sobre qual o ponto de partida e como se poderia realmente efetivar uma investigação numa área em que as questões surgem durante o processo da produção artística. Para Lancri (2002, p. 19), “o ponto de partida da pesquisa em arte situa-se, obrigatoriamente na prática plástica, com o questionamento que ela contém e as problemáticas que ela suscita. A parte da prática plástica, sempre pessoal, deve ter a mesma importância da parte escrita, não simplesmente justaposta, mas rigorosamente articulada”.
Essas constatações levam-me a tecer indagações sobre as questões conceituais presentes na minha produção plástica, investigando o fazer poético e as inter-relações com as reflexões teóricas. Assim, a metodologia proposta constituiu-se pela produção de uma série de obras, cujos conceitos operatórios foram detectados durante o processo de criação plástica e articuladas com referenciais artísticos, bem como, em outros campos de conhecimento, propiciando o inter-relacionamento da prática com a teoria e vice-versa. Contudo, nesse artigo analiso apenas alguns aspectos que serviram de referência inicial, anotando aproximações e desvios que perpassaram durante a investigação. Desse modo,

É necessário organizar conceitos puramente táticos e que estes possam antecipar o objeto da pesquisa, isto é, a trajetória do futuro trajeto, através de conceitos heurísticos, os quais deverão preparar a descoberta da diferença entre o projeto e o trajeto. Ao mesmo tempo, também será preciso distanciar-se dos conceitos quando vir o momento decisivo do despojamento e da rejeição do projeto e, ao termo da pesquisa, substituir por outros mais descritivos ou explicativos, invalidando os que eram destinados a serem operacionais somente no início da pesquisa. (LANCRI, 2002, p. 27).

Os meus questionamentos, portanto, são provenientes da minha prática investigativa com a gravura e o diálogo com o próprio gesto de gravar que produz esvaziamentos na matriz, redimensionando as múltiplas possibilidades de registrar e resignificar as inversões gráficas entre vazios e cheios, entre presenças ausências. Os conceitos operatórios de cortar, queimar e imprimir são atos instauradores no processo de criação, com os quais exploro meios de gravar através do controle e do acaso, utilizando procedimentos de impressão que registram os intervalos dessas ações-subtrações.
A utilização de instrumentos (goivas) para fazer incisões em determinadas áreas na matriz, propiciam certo controle do gesto, direcionando o corte e, com o fogo acontece o inverso, pois o gesto é substituído pela ação não controlada. Ao mesmo tempo em que alguns princípios de vazio e cheio, inerentes aos meios de gravação e impressão encontram-se imbricados nas imagens, percebo que as aproximações pelo contato entre as diferentes matérias e materialidades remetem a outros procedimentos operatórios durante o processo de criação. E, na medida em que ocorre o desdobramento desse fazer prático, “nos deparamos com imprevistos e acasos, acontecimentos esses que acabam abrindo flancos em nossas certezas e induzem-nos a redirecionar caminhos pré-estabelecidos”.(REY, 2004, p.35).
Poderíamos indagar como se forma a imagem nesse processo? De acordo com Pareyson (1993, p.69), “o procedimento da arte é um puro tentar: um tentar que não se apóia senão em si mesmo e no resultado que se espera obter”. No meu processo de criação, ocorrem momentos que envolvem experimentações e textagens a partir de determinadas escolhas de materiais que são colocados em confronto e, nesse percurso entre decisões e indecisões, entre erros e acertos, a imagem se concretiza. Todavia, nesse movimento observam-se coisas que são indizíveis, mas que está ali evocando algo do invisível, aquilo que o pensamento não tem controle, mas que entram em acordo durante o processo do fazer e do pensar. É como assinala Valery (1999, p.191): “na produção da obra, a ação vem sob a influência do indefinível”.
Percebemos que no processo de produção da obra se estabelece uma espécie de um “regime de execução durante o qual há uma troca entre as exigências, ou conhecimentos, as intenções, os meios, todo o mental e o instrumental, todos os elementos de ação” (VALERY, 1999, p.191), os quais não tendo uma determinação precisa anterior, não propiciam, conseqüentemente, uma previsão segura daquilo que irá resultar, porém, aproximações entre as possibilidades matérias dos materiais que são colocados em conexão.
Por outro lado, Pareyson (1993, p.55) menciona que “na maioria dos casos as matérias chegam,ao artistas marcadas por uma longa tradição de manipulação artística e, por isso mesmo, tão exigentes, a ponto de parecerem impor-se por si mesmas às intenções formativas e arrastá-las na própria direção”. O autor afirma que muitas vezes essa tradição de alguns instrumentos da arte como, por exemplo, o pincel e o buril, ou mesmo os instrumentos musicais são determinantes na produção da obra, assim como a própria escolha são definidores da intenção artística.
Num primeiro momento, estas questões poderiam ser um tanto paradoxais, como se a obra fosse apenas resultado do material ou apesar dele. Porém, quando adotamos determinados meios e materiais, nos defrontamos com a matéria e os seus princípios intrínsecos, assim como os questionamentos da sua própria linguagem que irão repercutir na sua visualidade. Na gravura, é necessário compreender as operações dos meios que envolvem a ação gráfica para que as estruturas mentais e materiais entrem em sintonia com as outras possibilidades, muitas vezes inesperadas, ampliando e invertendo procedimentos considerados permanentes. Nesse aspecto entendemos que os procedimentos não podem ser reduzidos ao produto final, porém, é além disso, é ser no processo e, inevitavelmente provocam-se alterações durante o percurso.
A gravura, mais do que qualquer outro poema remete-nos ao processo de criação. O mistério da luta entre mão e matéria, acompanha essa vontade do gravador em “ir ao minúsculo das coisas”, provocando “à competição da matéria negra e da matéria branca”, entre o sim e o não, entre a luz e a cor. (BACHELARD, 1986, p.53).

Nesse aspecto, entendemos que a elaboração da obra encontra-se vinculada às delimitações e às potencialidades inerentes das matérias utilizadas e, através dela empregamos, certas possibilidades de ação e tantas outras impossibilidades. Há uma confluência de ações que intervêm durante o processo de construção da obra, nas quais selecionamos algumas alternativas e excluímos outras, e nesse contexto, no formar, todo o construir são um destruir. (OSTROWER, 1978, p.32). Entre o processo criativo e a escolha dos procedimentos, o que incita a minha criação artística é justamente a referência que possuo dos meios e dos materiais escolhidos pelas suas possibilidades gráficas. Simultaneamente, as matérias não são destituídas de suas potencialidades intrínsecas, ao contrário, são exploradas e manipuladas no intuito de tensioná-las e modificá-las, atribuindo-lhes novas significações. A respeito disso Salles (1998, p.72) coloca,
O processo criativo é palco de uma relação densa entre o artista e os meios por ele selecionados, que envolve resistência, flexibilidade e domínio. Isso significa uma troca recíproca de influências. Esse diálogo entre artista e matéria exige uma negociação que assume a forma de obediência criadora.
No percurso criativo, portanto, ocorrem acasos e imprevistos e, muitas vezes provocam desvios que podem ser absorvidos na obra pelo artista. Ou ao contrário, quando as experiências realizadas não alcançam determinados resultados, são descartados. As diversas tentativas entre diferentes caminhos envolvem um processo de fazer e refazer, porém, quando o objetivo é alcançado, sabemos que o encontramos.
O artista, passa da intenção à realização através de uma cadeia de reações totalmente subjetivas. Sua luta pela realização é uma série de esforços, sofrimentos, satisfações, recusas, decisões que também não podem e não devem ser totalmente conscientes, pelo menos no plano estético. O resultado desse conflito é uma diferença entre a intenção e a sua realização, uma diferença de que o artista não tem consciência. (DUCHAMP, 1986, p.73)

O pensamento de Duchamp enfatiza essa necessidade do artista permitir-se de certo esquecimento de um saber muito preciso em relação aos meios, e, para que flua a criação, é fundamental deixar certa margem para o acaso.
A intervenção do acaso na arte começa a ser preconizada a partir das experiências dos dadaístas, os quais começaram a incorporá-lo como um novo elemento de estímulo no processo de criação artística. Os acidentes, as surpresas ou coisas imprevistas, que intervêm no ato criador, tornaram-se um meio deliberado e inesgotável para novas expressões. A atribuição intuitiva de um sentido ao fato que acontece por acaso que muitas vezes a imaginação criadora se revela e se configura em novas possibilidades.
No procedimento de gravação com fogo provoco, gradativamente, a destruição das matrizes, nas quais surgem fragmentos dispersos dessa interferência não controlada. E, é dessa ação de queimar que surgem os acasos na produção dos trabalhos da série Sílex. Nesse processo, os acasos e os acidentes são incorporados como imagem, não como algo aleatório e vago, mas ativados pela combustão, isto é, pela ação do fogo que ocasiona esvaziamentos e transformações na matriz. Assim, o meu processo de criação artística se articula a partir de uma dimensão heurística, propiciando a abertura para possíveis desvios, para que sejam redimensionados e incorporados ao trabalho, como nos aponta de Didi-Huberman (1997, p.91),
O procedimento supõe a operação como um conjunto de propriedades estruturais, ela sublinha a dimensão teórica e mesmo lógica dos procedimentos, dos processos, das escolhas formais. Ela coloca no trabalho artístico essa dimensão que qualifiquei de heurística, onde as manipulações materiais e processuais aparecem como tantas hipóteses, o que a definição epistemológica de heurística designa na expressão working hypothesis.

Desse modo, entendemos que a produção das imagens não é casual, surge do envolvimento no seu processo constitutivo, no conhecimento pessoal dos meios e das possibilidades intrínsecas dos limites e da natureza das matérias que se desorganizam e organizam durante o trajeto. Nos meus trabalhos, os procedimentos não correspondem apenas à transferência de elementos vazios e cheios gravados sobre uma matriz, mas ao contrário, é nesse trânsito entre indeterminações e certezas que acontece o processo de criação e, conseqüentemente a transformação.
O fazer criador provoca contornos que se contaminam, absorvendo os acasos e as necessidades, dissolvendo os vácuos entre o que se projeta e não acontece e que não se projeta e acontece, fazendo de si uma ação em estado de gerúndio: híbrida, espessa, irresoluta, inacabada. (DERDICK 2001, p.28)
Portanto, o processo criador envolve seleções, apropriações e experimentações com diversas possibilidades de combinações e transformações entre semelhanças e diferenças da matéria e conseqüentemente ocorre a intervenção do acaso e do imprevisto. No meu processo de criação a imagem é ativada entre a perda e o contato, entre a ausência e a presença, entre os vazios e os cheios e, na série Sílex, a matriz não é um negativo, configura-se no processo como forma e imagem.
Nas imagens da série Sílex encontram-se imbricados as diversas peculiaridades da madeira e da parafina, nas suas diferenças entre o rígido e o fluido, entre o denso e o translúcido, assim como o gesto incisivo e a ação de acender o fogo, estão interagindo e provocando diferentes reações durante a criação da imagem. Ocasionam-se desvios no percurso, pois a madeira e a parafina não são matérias passivas, mas orgânicas, com diferentes resistências que são inerentes às suas materialidades, assim como o gesto, vem imbuído de pulsões e intensidades.
Todavia, é interessante perceber como as experimentações são articuladas por outros artistas que trabalham com a gravura, justamente para entender que os meios técnicos não estão restritos a um procedimento convencional, porém, encontram-se vinculados com diferentes questões gráficas. Citamos o exemplo de Arthur Luiz Piza (São Paulo, 1928), que nos relevos e gravuras, busca em cada composição algo novo e inusitado e, como ele mesmo afirma quando se põe a trabalhar, que nunca parte de um desenho preparatório, no máximo tem uma vaga idéia do contorno. Ou como, nas intermediações operadas por cortes e incisões na obra de Ernesto Bonato (São Paulo, 1968), através das quais o artista busca a materialização de uma realidade que está submersa, ou seja, algo que imagina encontrar no interior da forma. Para este artista, com o procedimento de gravar, pretende entranhar o desenho na madeira, uma matéria dura e rígida, ao mesmo tempo em que tenta materializar, através das imagens, algo que está além da realidade externa. A partir de gestos incisivos, o artista interage profundamente na matéria para então constituir a unidade da imagem. (GRAVURA, 2000, p.122).
Por outro lado, o procedimento de incorporar um constante devir, ao contrário do que se poderia supor, nem sempre é fácil ou não faz parte das intenções do artista. A artista Lygia Pape (Nova Friburgo, RJ, 1929), que utiliza as possibilidades objetivas da xilogravura, num depoimento, em 1975, à Frederico Morais coloca: “sempre me horrorizou, na gravura em metal, a idéia de que o ácido trabalha por você, como uma espécie de co-autor. O que me atraía fundamentalmente na madeira eram os seus poros”. A escolha da xilogravura para trabalhar, é para ter um maior controle sobre o material, diz ela:
O que me deslumbra é o poro impresso, o branco cavado na chapa, a impressão final, apesar de sempre desenhar antes de gravar [...] da seleção da madeira do poro mais ou menos aberto [...] de um negro mais ou menos intenso, da espessura dos cortes, das linhas, do próprio papel. Sobre a idéia do acaso afirma que acaso não existe na gravura que realizo. Toda ela é controlada: desde a escolha do material, qualidade da madeira à impressão final. (GRAVURA, 2000, p. 128).
Ao mesmo tempo, em que a artista tem um certo controle sobre o seu processo de trabalho, Pape nas gravuras da série Tecelares, aponta para outras possibilidades e transformações do meio gravado, indo além dos limites impostos pela matéria rígida. Ao contrário de Pape, os cobres gravados de Iberê Camargo, refletem uma gestualidade e uma carga pulsional pela sua interação química e corrosiva do ácido para conduzir a matéria e dela extrair o signo gráfico.
Já no processo de criação de Soulages, por exemplo, observamos que o acaso é incorporado na sua obra através do confronto entre as matrizes de cobre e a ação do ácido, provocando transformações pela destruição da matéria. Embora o controle da gravação das matrizes de cobre com ácido seja relativo, o artista menciona que esse procedimento é um acaso aceitável (hasard accepté). Isso quer dizer que ele tem plena consciência sobre os imprevistos que ocorrem durante a criação do trabalho, ao mesmo tempo em que exerce um certo controle sobre o procedimento técnico que utiliza. Contudo, quando a gravação é feita com um instrumento ocorre um maior controle, já que é a vontade de alguém impondo uma linha de uma forma mais rígida e determinada; ao contrário do ácido, há menos controle, obtendo-se pela ação corrosiva, a transformação mais orgânica da matéria, buscando aspectos relacionados ao tempo, a durabilidade e a destruição.
Nas imagens gravadas de Soulages fica evidenciado que a gravura não é um trabalho de superfície, é resultante do envolvimento das corrosões, dos cortes e das perfurações. As perfurações (buracos) das placas remetem à ausência de impressão, e, nesse movimento tudo sobe e desce como ele mesmo sublinha tout a basculé. As matrizes de cobre são corroídas em algumas áreas até transpassar a sua superfície no intuito de buscar o espaço vazio no branco do papel e, em outras, a própria matriz é o objeto/obra gravada. Contudo, as matrizes que são impressas sobre o papel criam certa tensão entre os espaços brancos retidos pela imagem e as margens do papel, as quais geralmente aparecem somente como um contorno da imagem. (Todo o espaço branco do papel entra em conexão, ou seja, o branco do papel dá-se a ver e a gravura se faz centro: “centro forte, presente e que faz a folha inteira reagir, obrigando o vazio a se materializar, o branco tornar-se luz” SOULAGES, 2003, p.39). O papel não é um simples suporte, mas parte integrante e nas áreas dos buracos gravados nas matrizes de cobre, a matéria do papel transforma-se em contraste.
Nos meus trabalhos Sílex III, IV e V, mesmo utilizando meios e materiais diferentes, também ocorre um certo acaso aceitável, quando as matrizes de madeira são queimadas sobre a parafina. As diferentes resistências da madeira e da parafina entram em combustão através do calor do fogo, proporcionando uma intervenção mais imediata de transformação. E o que poderia ser considerado apenas o suporte sobre o qual a imagem gravada da matriz se revela, ocorre a fusão entre matriz e imagem. Nesses trabalhos, a queima opera a transformação interna da matéria, ao contrário dos gestos incisivos que produzem marcas negativas sobre a matriz, para depois serem transferidas para o suporte. O fogo produz a negação da matéria pela carbonização e desestruturação da matriz e, no instante em que ocorre o contato com a parafina, restos de vestígios carbonizados são retidos e condensados na sua matéria. (Fig. 01 e 02) *
Ao mesmo tempo, a introdução da parafina como suporte das matrizes carbonizadas, provoca certa reversibilidade em relação aos meios utilizados anteriormente. Percebo que a parafina não é uma matéria passiva - muda de estado com o calor -, e, sendo um suporte ativo pelas possibilidades intrínsecas à sua materialidade, propicia entrar na sua matéria, pois ela se desinforma e se condensa durante o processo. Não quero afirmar, no entanto, que os suportes utilizados anteriormente, como os papéis opacos e os translúcidos sejam passivos, assim como já observamos na obra gráfica de Soulages, o suporte, o papel branco e vazio, interage para se constituir como imagem.
A parafina, no estado líquido, penetra nos espaços intervalares entre os vestígios dos fragmentos e das fagulhas das matrizes desintegradas. No momento em que ela se solidifica, cristaliza-se a formação da imagem. Nesse aspecto, os códigos da natureza gráfica de matriz e de impressão, de positivo e de negativo invertem-se através desse contato. Poderíamos dizer que a matriz e o suporte se entrelaçam e se integram simultaneamente, originando uma outra possibilidade de formação da imagem. Portanto, nos trabalhos Sílex III, IV e V, o suporte se transforma, interagindo como imagem e, de uma certa maneira, esse procedimento opõe-se ao pensamento original da gravura, no qual se considera o suporte apenas como um fundo neutro, sobre o qual se imprimia a imagem gravada na matriz, que também perdia a sua função depois de concluída a tiragem.
Desse modo, esses trabalhos explicitam as diversas etapas que envolvem o tempo da gravura. Os intervalos e as passagens são evidenciados simultaneamente entre a metamorfose da matriz (em processo de queima) e da parafina (em processo de líquido/sólido), bem como nas sutis diferenças entre concentração e dispersão das partículas presentes nas matrizes carbonizadas. E, nessa transposição quase invisível entre os intervalos mínimos de tempo, revertem-se as oposições de vazio e de cheio em suas relações de ação positiva e de ação negativa.
Embora, os meios originais de gravação e impressão estejam esgarçados, é justamente essa natureza gráfica que é explicitada nos meus trabalhos. O que incita a minha criação artística são as possibilidades gráficas dos materiais, nas suas peculiaridades de produzir marcas, memória, registros, vestígios, ou seja, permanecendo esta origem gráfica de matriz e imagem. Poderia dizer que, ao longo do meu percurso criativo com a gravura, mesmo utilizando procedimentos que exigem uma certa operação técnica, o inesperado e o acaso sempre foram incorporados nas imagens.
Nessa investigação, o fazer e o pensar gráfico foram determinantes, porém, os meios foram colocados em confronto, propiciando a abertura para os desvios no percurso. Simultaneamente, as matérias não estão destituídas de suas especificidades intrínsecas, ao contrário, foram exploradas e manipuladas no intuito de tensioná-las e modificá-las, atribuindo-lhes novas significações. Os acasos provenientes dos vestígios das queimadas, também me permitiram conquistar outro domínio técnico ao longo desse fazer. E, os rompimentos ocasionados pela destruição me possibilitaram penetrar e aprofundar na matéria e não apenas criar marcas na sua superfície, porém, metamorfosear processos e procedimentos. Assim, os trabalhos surgem desses atos internos e externos e nas imprecisões dos limites das matérias. É nessa perspectiva que os meios gráficos se confrontam pelas suas múltiplas inversões e transformações das regras e conseqüentemente rompem os conceitos convencionais de gravação e impressão.
* Dados técnicos:
Fig. Sílex III - 72 módulos de parafina (14 x 14 x 4 cm cada), 336 cm, 2002.
Fig. Sílex IV - Matriz sobre módulo de parafina em processo de queima, 2002.

Referências:
BACHELARD, G. O direito de sonhar. São Paulo: Difel, 1986.
DERDICK, E. Linha de horizonte – por uma poética do ato criador. São Paulo: Escuta 2001.
DIDI-HUBERMAN. L’empreinte. Paris: Centre Georges Pompidou, 1997.
DUCHAMP, M. O ato criador. In: BATTOCOCK, G. A nova arte. 2ª. Ed. São Paulo: Perspectiva, 1986.
GRAVURA – Arte brasileira do século XX. São Paulo: Cosac & Naify/Itaú Cultural, 2000.
LANCRI, J. Colóquio sobre a Metodologia da Pesquisa em Artes Plásticas na Universidade. In: BRITES B. TESSLER, E. O meio como ponto zero. Porto Alegre: UFRGS, 2002.
OSTROWER, F. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Vozes, 1978. PAREYSON, L. Estética – Teoria da formatividade. Rio de Janeiro: Vozes, 1993.
REY, S. Instauração da imagem como dispositivo de ver através. In: Porto Arte v. 13, nº21, maio de 2004. Porto alegre: Instituto de Artes, UFRGS, 2004.
SALLES, C. A. Gesto inacabado – processo de criação artística. São Paulo: FAPESP: Anna Blumen, 1998.
SOULAGES. L’ouevre imprimé. Paris: Bibliothèque nationale de France, 2003.
VALERY, P. Variedades. São Paulo: Iluminuras, 1999.


Currículo:

Lurdi Blauth (Montenegro/RS).
Reside: Rua Pastor Rodolfo Saënger, 237 – CEP 93050110 – Jd. América, São Leopoldo/ RS Fone: (51) 3592 07 33 - e-mail: lurdi@uol.com.br
Doutorado em Poéticas Visuais, no PPGAV, UFRGS/RS, 2005. Doutorado/sanduíche, Université Pantheon-Sorbonne, Paris I, França, 2003. Mestre em Poéticas Visuais, UFRGS/RS, 1996. Artista plástica, com exposições individuais e participações em coletivas nacionais e internacionais. Professora e coordenadora dos cursos de graduação e pós -graduação de Artes Visuais, do Centro Universitário Feevale, Novo Hamburgo, RS.

Um comentário:

Unknown disse...

A primeira parte do texto não é da Lurdi. Mesmo que eu não tivesse lido o original antes, dá pra perceber pela mudança de estilo. É gritante. O texto original foi publicado dois anos antes dessa postagem. E a "autora" é doutora... É sério isso?