sábado, 29 de novembro de 2008

MONOGRAFIA MAIS UM CAPITULO

2.2 A CULTURA CAIÇARA - HISTÓRICO



Como a de outros grupos que permanecem à margem do desenvolvimento intelectual nacional, é referido com maior ou menor travo de subalternidade. Em qualquer investigação, despojada de qualquer tendência discriminatória torna-se difícil evitar os efeitos de um conceito que nasceu para distinguir aspectos de cultura nacional considerado popular, mais, simples e mais rústicos. Os seus herdeiros, frequentemente, recusam o termo “caiçara” por pejorativo. “Caipira, matuto, primitivo; bronco ou asselvajados; pessoa estúpida ou inútil, homem ordinário, malandro e vagabundo”; é este um dos significados mais comuns encontrados para esta palavra nos dicionários brasileiros.
As condições da vida moderna onde predominam o urbano, o industrial, o tecnológico, levam ao apagamento de traços culturais que ainda no início do século XX constituíam componentes diferenciados da vasta cultura brasileira, os preconceitos impõem o seu total desaparecimento. A própria história do desenvolvimento cultural nacional encarregou-se de traçar um modelo unificado de comportamento para toda a população na medida em que expandiu as instituições de ensino, de saúde, as infra-estruturas urbanas, e, principalmente, os meios de informação que hoje chegam a todas as famílias de norte a sul do país. A televisão com tudo o que significa em termo de progresso que aproxima as pessoas como se vivessem com as mesmas condições, e desvenda acontecimentos ocorridos do outro lado do mundo, apresentando um padrão unificado de linguagem, de comportamento social, de costumes e hábitos que acabam por ser adotado como modelo generalizado.
Dizer que a cultura caiçara está em extinção é constatar a conseqüência natural do processo de modernização nacional. O mesmo ocorre com outras manifestações culturais consideradas típicas de diferentes regiões e que foram integradas ao conjunto nacional, muitas vezes classificada como folclóricas ou exóticas.
A divulgação das culturas de minoria, o reconhecimento de seus valores levantados em várias pesquisas, registrando do que elas sobrevivem, constitui um dos poucos processos para a preservação desse patrimônio. Com o objetivo de difundir esses conhecimentos foram criados museus, montaram-se exposições, foram editados livros, produzidas fotografias, organizados cursos universitários, formas que permitiram a aprendizagem e a reprodução dos produtos de pesquisa. A grande falha cometida que encontramos em relação à cultura caiçara é que esta foi comparativamente, pouco estudada e hoje se revela vítima de preconceitos até mesmo por parte dos seus próprios herdeiros.
“Em diversas regiões, a palavra caiçara acumula significados complementares: paliçadas de proteção nas tabas indígenas, ou ainda cerca de ramos feita junto a margem dos rios ou igarapés, armadilha para apanhar peixes (cerco)”, “abrigo ou esconderijo onde fica emboscado o caçador”, ”abrigo para barcos”. O termo é aplicado aos que viviam junto às praias, em economia de subsistência baseada na pesca, extração de palmito e alguns frutos silvestres e uma fraca agricultura onde predominavam os roçados de mandioca, milhos e arroz, fazendo uso tanto do entrelaçado de ramos na construção das habitações como no preparo das armadilhas para pescar e caçar e na proteção do solo cultivado sobre o qual deixavam parte das árvores derrubadas.
A população caiçara é registrada em toda a costa dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná; podendo se estender a mesma dominação inclusive no litoral de Santa Catarina.
Tanto os traços físicos como os culturais revelam a miscigenação do português com índio e, em menor grau, com o negro africano.
A situação geográfica foi favorável, nos primeiros tempos da colonização, ao cruzamento entre portugueses e indígenas, cujos descendentes dificilmente eram acolhidos por uma ou outro dessas comunidades, a não ser que viessem a representar papel de destaque nas lutas ou para, os colonizadores, na conquista do novo território.
Durante o século XIX, com o movimento de libertação dos escravos, alguns desses encontraram refúgio no isolamento das populações marginalizadas que viviam na restinga paulista, entre a serra e o mar, onde nasceram as comunidades caiçaras.
Foram diversos os momentos históricos que, promovendo a marginalização das comunidades, alienaram-se os caiçaras do desenvolvimento do país. O caiçara, isolado na restinga litorânea, viu-se obrigado a organizar seu modo de vida condicionado pela adaptação ao meio, buscando o suprimento das necessidades de subsistência na memória dos traços culturais herdados, compondo uma cultura específica, profundamente adaptada à natureza: ao rio, a serra, ao mar.
A construção da habitação, as técnicas agrícolas e artesanais para elaboração de produtos de uso doméstico, inclusive as receitas, tanto culinárias quanto medicinais mantiveram-se mais próximas dos costumes indígenas com alguns traços lusitanos. As manifestações religiosas revelam tradições portuguesas; as formas de relacionamento entre vizinhos ou com parentes que viviam distantes, o exercício da mútua ajuda, do mutirão ou adjutório, são costumes ainda hoje preservados nos povoamentos europeus, africanos e indígenas, quando isolados da sociedade urbana. O mesmo verifica-se nas práticas medicinais que reúnem diferentes origens complementando-as.
A presença da cultura africana é menos marcante do que a das culturas européias e indígenas que estiveram representadas por maior número de indivíduos e durante período de tempo mais prolongado. Os remanescentes dos escravos foram acolhidos mais como vizinhos do que como integrantes da comunidade caiçara já existente, sem grandes oportunidades de perpetuarem algum traço determinante de sua cultura de origem. Mesmo assim a presença do negro é evidente nos traços característicos e nas artes da cura.

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